Orfismo

O Orfismo teve início em 1915 com a fundação da revista Orpheu. Entre seus representantes estão os escritores Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros.

Fundada em 1915, a revista Orpheu foi a porta-voz do programa estético do Orfismo, a primeira geração do modernismo em Portugal
Fundada em 1915, a revista Orpheu foi a porta-voz do programa estético do Orfismo, a primeira geração do modernismo em Portugal

O texto que você vai ler agora é um editorial de autoria de Luís de Montalvor, um dos fundadores da revista Orpheu e responsável pelo programa estético defendido pelo Orfismo, a primeira geração do modernismo em Portugal. Publicado na primeira edição da revista literária, o manifesto de Montalvor deixa explícito os conceitos órficos ao expor de maneira esclarecedora os propósitos do recém-inaugurado movimento:

O que é propriamente revista em sua essência de vida e quotidiano, deixa-o de ser Orpheu, para melhor se engalanar do seu título e propor-se.

E propondo-se, vincula o direito de em primeiro lugar se desassemelhar de outros meios, maneiras de formas de realizar arte, tendo por notável nosso volume de Beleza não ser incaracterístico ou fragmentado, como literárias que são essas duas formas de fazer revista ou jornal.

Puras e raras suas intenções como seu destino de Beleza é o do: -- Exílio!

Bem propriamente, Orpheu é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento...

Nossa pretensão é formar, em grupo ou idéia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em ORPHEU o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermo-nos.

A fotografia de geração, raça ou meio, com o seu mundo imediato de exibição a que freqüentemente se chama literatura e é sumo do que para aí se intitula revista, com a variedade a inferiorizar pela igualdade de assuntos (artigo, seção ou momento) qualquer tentativa de arte -- deixa de existir no texto preocupado de ORPHEU.

Isto explica nossa ansiedade e nossa essência!

Esta linha de que se quer acercar em Beleza, ORPHEU necessita de vida e palpitação, e não é justo que se esterilize individual e isoladamente cada um que a sonhar nestas cousas de pensamento, lhes der orgulho, temperamento e esplendor -- mas pelo contrário se unam em seleção e a dêem aos outros que, da mesma espécie, como raros e interiores que são, esperam ansiosos e sonham nalguma cousa que lhes falta, -- do que resulta uma procura estética de permutas: os que nos procuram e os que nós esperamos...

Bem representativos da sua estrutura, os que a formam em ORPHEU concorrerão a dentro do mesmo nível de competências para o mesmo ritmo em elevação, unidade e discreção, de onde dependerá a harmonia estética que será o tipo da sua especialidade.

E assim, esperançados seremos em ir a direito de alguns desejos de bom gosto e refinados propósitos em arte que isoladamente vivem para aí, certos que assinalamos como os primeiros que somos em nosso meio alguma cousa de louvável e tentamos por esta forma já revelar um sinal de seleção, os esforços do seu contentamento e carinho para com a realização da obra literária de ORPHEU.”

O Orfismo teve início em 1915 e reuniu importantes nomes da literatura portuguesa, entre eles Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Raul Leal, Luís de Montalvor e o brasileiro Ronald de Carvalho, responsável pela publicação no Brasil. Cansados do panorama cultural português, o qual consideravam tacanho e estagnado, os jovens escritores romperam com a literatura de orientação simbolista e histórica ao proporem uma nova literatura, capaz de olhar e retratar o homem, seu espanto de existir e o futuro. Tal qual os primeiros modernistas do Brasil, os orfistas tinham como intenção chocar a burguesia acostumada ao cânone literário, inspirando-se nas modernas vanguardas europeias surgidas no início do século XX.

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O Futurismo e o Cubismo estão entre as principais influências dos escritores orfistas, que se voltaram para um mundo novo, regido pela velocidade, pela técnica e pelas máquinas. Tais características podem ser facilmente percebidas no poema “Ode Triunfal”, assinado por Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa:

À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica  
Tenho febre e escrevo.  
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,  
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!  
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!  
Em fúria fora e dentro de mim,  
Por todos os meus nervos dissecados fora,  
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!  
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,  
De vos ouvir demasiadamente de perto,  
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso  
De expressão de todas as minhas sensações,  
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!(...)”

(Excerto do poema “Ode Triunfal”, do heterônimo Álvaro de Campos, Fernando Pessoa. Publicado na revista Orpheu de número 1.)

Principais fundadores da revista Orpheu, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro também são apontados como principais responsáveis por sua derrocada
Principais fundadores da revista Orpheu, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro também são apontados como principais responsáveis por sua derrocada

O Orfismo surgiu em um período conturbado da história, sobretudo na Europa, que experimentava uma grave crise política, econômica e financeira, além de diversos conflitos, entre eles a Primeira Guerra Mundial. Em Lisboa, reinava um clima de forte insatisfação política provocada pela queda da monarquia e vitória do integralismo, situação que instalou a ditadura no país. Atentos a essa instabilidade, os orfistas utilizavam a literatura como ferramenta de denúncia, alinhando-a a um programa ideológico que posteriormente foi refutado pelos poetas presencistas, representantes da segunda geração do modernismo em Portugal.

Financiada pelo pai do escritor Mário de Sá-Carneiro, a revista Orpheu decretou falência logo após a publicação de seu segundo número, em julho de 1915. A crise instalou-se com a interrupção do patrocínio e a partida de Mário para Paris (o poeta cometeria suicídio no ano seguinte), além de divergências políticas entre Fernando Pessoa e diretores de Orpheu, o que obrigou os escritores orfistas a buscarem outras publicações, entre elas as revistas Exílio, Centauro e, por último, a revista Portugal Futurista.

Apesar de sua efêmera duração, Orpheu marcou a história da literatura portuguesa do século XX, sendo considerada como o marco inicial do Modernismo em Portugal. O Orfismo, a despeito do fim de sua principal ferramenta de divulgação, teve relevância até 1927, ano da publicação do primeiro número da revista Presença, responsável por difundir o Presencismo, movimento que deu início à segunda fase modernista.

Por: Luana Castro Alves Perez

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