Acidente de Chernobyl

O acidente de Chernobyl foi um acidente nuclear que aconteceu quando o reator da usina de Pripyat explodiu. Foi o resultado de falhas humanas e de falhas no projeto do reator instalado nessa usina. Esse acidente lançou enorme quantidade de material radioativo na atmosfera. Os maiores prejudicados por ele foram Bielorrússia, Ucrânia e Rússia.

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Tópicos deste artigo

O que foi o acidente de Chernobyl?

O acidente de Chernobyl foi um acidente nuclear que aconteceu no reator 4 da Central Nuclear V. I. Lenin. Aconteceu em Pripyat, cidade que ficava na União Soviética e que atualmente faz parte da Ucrânia. Pripyat, localizada a cerca de 100 quilômetros de Kiev, teve sua trajetória transformada para sempre por conta desse acidente, que aconteceu no dia 26 de abril de 1986.

Usina nuclear onde ocorreu o acidente de Chernobyl. No fundo da imagem, está o sarcófago construído sobre o reator 4.
Usina nuclear onde ocorreu o acidente de Chernobyl. No fundo da imagem, está o sarcófago construído sobre o reator 4.

Esse acidente foi resultado de falhas humanas que aconteceram durante um procedimento de manutenção dos reatores da usina nuclear que ficava em Pripyat, como veremos. Essas falhas somaram-se a problemas no projeto do reator RBMK-1000 (Reactor BolshoMoshchnosty Kanalny), levando a duas explosões no reator 4, à 1 h 23 min.

Com as explosões, dois trabalhadores da usina morreram, e os bombeiros foram chamados para apagar o incêndio. Quando os bombeiros chegaram à usina, encontraram uma grande quantidade de grafite espalhado — um indício claro de que o reator havia explodido e estava exposto. Esse e outros indícios foram ignorados pelos diretores da usina, que se recusaram a iniciar protocolos para evitar que as pessoas entrassem em contato com radiação.

O incêndio no reator 4 durou cerca de 10 dias, e muitas medidas para acabar com as chamas fracassaram. Durante todo esse período, o reator ficou exposto, fazendo com que o material radioativo, como iodo-131 e estrôncio-90, fosse lançado na atmosfera. Essa radioatividade se espalhou e alcançou regiões vizinhas, como a Rússia e a Bielorrússia, e chegou a locais distantes, como os Estados Unidos.

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A comunidade internacional teve conhecimento de que um acidente nuclear havia acontecido na União Soviética por conta da Suécia. Diplomatas suecos em Moscou questionaram as autoridades soviéticas sobre um acidente nuclear, mas os soviéticos não reconheceram qualquer tipo de acidente. Os suecos, então, advertiram os soviéticos e acionariam a comunidade internacional com um alerta de um possível acidente nuclear, e só então os soviéticos decidiram reconhecer o que se passava.

Na noite do dia 28 de abril, o governo soviético fez um breve anúncio informando sobre o acidente e anunciando que todas as medidas estavam sendo tomadas para contornar a situação.

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Como aconteceu o acidente de Chernobyl?

O acidente de Chernobyl ocorreu como consequência de uma série de erros humanos durante um teste de segurança. Esse teste pretendia avaliar a capacidade operacional da usina mesmo após um desligamento total da energia elétrica.

O teste teve resultados tão catastróficos porque os operadores não seguiram todas as rotinas de segurança e cometeram uma série de erros, como inserir hastes de controle depois de o teste ter iniciado, quando elas já deveriam estar dentro do reator. Os operadores da usina reduziram a potência do reator e, então, o carbono passou a absorver mais nêutrons, fazendo com que a água bombeada no reator não fosse capaz de refrigerá-lo.

Painel de controle da usina onde aconteceu o acidente de Chernobyl.[1]
Painel de controle da usina onde aconteceu o acidente de Chernobyl.[1]

Logo depois, os operadores inseriram hastes de controle (cujas pontas eram feitas de carbono), que, quando imersas, jogaram uma grande quantidade de água para fora dos tubos, aquecendo ainda mais o reator. O superaquecimento da água fez com que o reator 4 explodisse e, em seguida, ficasse incandescente.

A explosão também lançou o escudo do reator bem como algumas centenas de toneladas do carbono, localizado entre as hastes de combustível, a grandes distâncias, e então o reator ficou incandescente, dando origem a um grande incêndio. Esse incêndio, que, como vimos, durou 10 dias, lançou sobre toda a Europa uma grande nuvem de isótopos radioativos na atmosfera, potencialmente causando prejuízos à saúde de milhares ou até mesmo milhões de pessoas.

Ação dos liquidadores

Depois do acidente, as autoridades soviéticas precisaram mobilizar milhares de pessoas para atuar no trabalho de contenção de danos. Tratava-se de um trabalho hercúleo que demandou organização, recursos e muita coragem, pois, caso ações de contenção não fossem tomadas, a radiação do reator 4 poderia se espalhar por todo o planeta e gerar consequências enormes.

Esses trabalhadores receberam o nome de liquidadores e foram os responsáveis por fazer com que o acidente de Chernobyl não fosse pior ainda. Um dos primeiros trabalhos a serem realizados foram as tentativas de contenção do incêndio. Pilotos de helicóptero voaram por cima do reator 4, lançando areia e outros materiais para conter o fogo.

Outro trabalho muito importante foi o de evacuação da cidade de Pripyat. As autoridades soviéticas demoraram demais a realizar a evacuação, mas, ainda assim, ela ocorreu 36 horas depois do acidente. Cerca de 1200 ônibus foram mobilizados para levarem os 50 mil habitantes de Pripyat para cidades vizinhas.

A população de Pripyat foi orientada a levar documentos, poucos pertences pessoais e alguns alimentos, sob a promessa de que todos retornariam em três dias. No entanto, a evacuação foi definitiva, e a cidade de Pripyat foi abandonada. Ainda em 1986, o total de pessoas evacuadas chegou a 115 mil, e o número final foi de cerca de 330 mil.

Isso aconteceu porque regiões da Ucrânia, da Rússia e da Bielorrússia foram severamente afetadas, o que representava sério risco para a saúde humana. As autoridades soviéticas decidiram criar uma zona de exclusão abarcando um raio de 30 km de Chernobyl. Essa zona permanece em vigência até hoje, e estima-se que a região levará cerca de 20 mil anos para ser descontaminada.

A cidade ucraniana de Pripyat está abandonada desde 1986, quando o acidente aconteceu.
A cidade ucraniana de Pripyat está abandonada desde 1986, quando o acidente aconteceu.

No total, fala-se que até 800 mil pessoas foram mobilizadas para trabalhar na contenção de danos do acidente de Chernobyl. Nesse grupo havia soldados, mineiros, químicos, físicos, médicos, bombeiros, entre outros. Muitos desses liquidadores não tinham ideia dos riscos que estavam correndo.

Entre os grupos que mais correram riscos estão os pilotos, que sobrevoaram o reator para apagar o incêndio, os bombeiros, que atuaram próximo da usina, e os liquidadores conhecidos como biorrobôs — estes executaram um dos trabalhos mais perigosos: varreram o teto da usina e jogaram os restos radioativos no interior do reator.

Os biorrobôs receberam as maiores doses de radiação, e, mesmo sabendo dos riscos, muitos dos liquidadores foram motivados a trabalhar por causa dos altos salários que lhes foram oferecidos e por um sentimento de patriotismo. Uma das últimas etapas desse trabalho foi a construção do Sarcófago de Chernobyl, uma estrutura metálica que serviu para envolver todo o reator 4 e evitar que mais material radioativo fosse lançado na atmosfera. Os outros reatores da usina foram desativados ao longo dos anos.

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Como funcionava a usina de Chernobyl?

A usina de Chernobyl, assim como dezenas de outras usinas nucleares usadas para gerar a maior parte da energia elétrica da União Soviética, era movida por reatores nucleares do tipo RBMK-1000. O tipo de reator nuclear é a principal distinção entre a usina de Chernobyl e as usinas usadas atualmente (mais seguras). Adiante conheceremos detalhes sobre ele. De modo geral, a usina de Chernobyl funcionava como qualquer outra usina nuclear. Seu princípio básico de funcionamento consistia em:

  • Manter uma reação de fissão nuclear estável dentro do reator;

  • Transferir parte do calor produzido pela fissão para uma grande massa de água;

  • Liberar o vapor de água para que ele mova grandes turbinas conectadas a uma série de geradores elétricos;

  • Produzir energia elétrica por meio do princípio da indução eletromagnética.

A usina de Chernobyl operava com quatro reatores do tipo RBMK-1000, capazes de produzir cerca de 1000 MW (megawatts) de energia elétrica. Esses reatores tinham diversas falhas em seu projeto, e alguns detalhes foram “ignorados” para que eles pudessem ser produzidos em larga escala pela União Soviética. Originalmente, os RMBK-1000 foram criados para utilizarem o urânio natural como combustível, no lugar do urânio enriquecido (que tem uma porcentagem muito maior de urânio-235, que é radioativo).

Após diversos testes, os projetistas desses reatores perceberam que era muito complicado controlar os parâmetros de funcionamento deles quando se fazia necessária a troca das hastes de combustível. Tal característica fez com que o projeto mudasse para outras versões que utilizassem urânio enriquecido, porém em porcentagens menores que aquelas usadas na maioria das usinas nucleares.

Por esse motivo, os reatores RMBK-1000 eram quase 20 vezes maiores que os reatores usados no Ocidente, produziam mais energia elétrica, eram mais pesados e menos seguros. De acordo com alguns de seus idealizadores, os reatores RMBK-1000 “dispensavam” a necessidade de um reservatório de pressão.

Os reservatórios de pressão eram envoltórios metálicos muito grossos e resistentes, difíceis de serem produzidos na maior parte das indústrias, e, portanto, não foram utilizados com a alegação de que o sistema de refrigeração desse tipo de reator dispensava a necessidade de tal reservatório.

Além disso, o projeto original dos reatores contava com um grande edifício de contenção, construído em concreto, em volta do reator, cujo objetivo era minimizar efeitos relacionados a quaisquer acidentes, entretanto, o edifício foi retirado do projeto original, a fim de reduzir o custo da produção dos reatores.

Reator nuclear RBMK-1000, igual ao usado em Chernobyl.[2]
Reator nuclear RBMK-1000, igual ao usado em Chernobyl.[2]

Os reatores repousavam em poços cilíndricos revestidos de concreto e tampados com escudos de radiação. Esses escudos de concreto eram revestidos com quatro centímetros de aço, além de minerais que absorviam a maior parte da radiação. O escudo superior, que pesava cerca de 2000 toneladas, tinha orifícios que podiam ser abertos para a troca das hastes de combustível ou, ainda, para a troca das hastes de controle. Estas últimas eram hastes metálicas carregadas de pastilhas de boro, um elemento capaz de capturar nêutrons e, assim, reduzir a potência da reação nuclear no reator.

Onde eram inseridas as hastes de combustível, havia canais preenchidos com água. Por fora desses canais, cerca de 1700 toneladas de carbono eram usadas para controlar a emissão de calor pelas hastes. A água que entrava em contato com o reator era constantemente bombeada e aquecia um circuito secundário de água, que não se misturava com a água contaminada pelos isótopos radioativos. A água do circuito secundário, por sua vez, era aquecida a 270 ºC e liberada a pressões de cerca de 60 atm, e, então, era usada para mover as pás das turbinas que geravam a eletricidade.

Na usina de Chernobyl, havia duas turbinas, cada uma com cerca de 39 m de comprimento, capazes de produzir cerca de 500 MW de energia elétrica cada. Para funcionarem bem, as turbinas eram refrigeradas, cada uma, com mais de 82 mil toneladas de água por hora e giravam a 3000 rpm (rotações por minuto). Como medida de segurança, a usina contava com três grandes motores elétricos movidos a diesel, que se ligavam automaticamente caso ocorresse o desligamento da energia que mantinha o sistema de refrigeração da usina em operação.

Afinal de contas, qual era a grande diferença no reator utilizado na usina de Chernobyl que levou a um desastre de proporções tão devastadoras? A resposta é: carbono. Isso mesmo, carbono. O carbono usado para envolver o reator funcionava como uma barreira térmica (chamada moderadora), para que a água que refrigerava o reator não evaporasse instantaneamente.

No entanto, os responsáveis pelo projeto da usina nuclear não sabiam que o carbono perde sua eficiência de moderar a temperatura quando sujeita a condições de baixa potência, e, por isso, sua utilização foi a principal causa da explosão do reator 4, responsável por criar o maior acidente nuclear de todos os tempos.

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Consequências do acidente de Chernobyl

Passados mais de 30 anos do acidente de Chernobyl, suas consequências ainda são sentidas nos países que sofreram os maiores impactos. Entretanto, na época, o acidente lançou uma sombra de descrédito sobre o governo soviético e afetou severamente a economia desse país, uma vez que somas altíssimas tiveram de ser gastas para conter os estragos.

Isso prejudicou bastante um país que já estava com a economia em crise e que enfrentava uma guerra desde 1979. Existem historiadores que defendem a teoria de que o acidente de Chernobyl pode ter contribuído para antecipar o fim da União Soviética, que aconteceria alguns anos depois.

Fala-se que, diretamente, o acidente causou a morte de 31 pessoas, e estima-se que outras milhares podem ter morrido de forma indireta. As pessoas que morreram indiretamente foram vítimas de doenças, como diferentes tipos de câncer que podem ter sido causados pelo contato com a radiação.

Acredita-se que até 30% do material radioativo presente no reator 4 vazaram, o que forçou a evacuação de 330 mil pessoas, conforme mencionado. Vimos também que a cidade de Pripyat foi abandonada em definitivo, e a região deverá ficar vazia pelos próximos 20 mil anos, pois não é segura para a presença humana.

O país mais afetado com o acidente de Chernobyl foi a Bielorrússia, e acredita-se que 60% do material radioativo liberado foram para esse país. O impacto disso foi que a Bielorrússia teve cerca de 20% de seu território contaminado, o que fez com que 25% de suas terras se tornassem impróprios para o cultivo.

O impacto do acidente na economia da Bielorrússia foi enorme, e fala-se que o país deixou de ganhar mais de 200 bilhões de dólares por causa dele. Além disso, o governo bielorrusso gastou quase 20 bilhões em medidas contra as consequências do acidente e 1/5 do seu orçamento anual com questões relacionadas a ele.

Atualmente, a Bielorrússia gasta 6% de seu orçamento com as consequências do acidente, e a Ucrânia gasta de 5% a 7%. Os ucranianos tiveram 7% do seu território contaminados, enquanto os russos tiveram 1,5%. Os três países, juntos, perderam mais de 700 mil hectares de terra cultivável devido à contaminação.

Além disso, os impactos do acidente sobre a saúde da população também foram expressivos. Rússia, Ucrânia e Bielorrússia somaram mais de 6000 casos de câncer de tireoide até o ano de 2005. Além disso, existem estudos que apontam que, até o ano de 2065, a Europa pode presenciar cerca de 41 mil casos de câncer como consequência da radiação que se espalhou pelo continente.

Créditos das imagens:

[1] Kamil Budzynski e Shutterstock

[2] RIA Novosti archive / Alexey Danichev / Commons

Por: Daniel Neves Silva

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