Guerra da Cisplatina

A Guerra da Cisplatina foi o primeiro conflito internacional do qual o Brasil participou enquanto nação independente. A derrota na guerra ampliou a crise de D. Pedro I no poder.

Quadro de Augusto Ballerini retratando a Batalha de Ituzaingó, que aconteceu em fevereiro de 1827.*
Quadro de Augusto Ballerini retratando a Batalha de Ituzaingó, que aconteceu em fevereiro de 1827.*

A Guerra da Cisplatina foi um conflito em que o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) disputaram o controle da Cisplatina, região que, atualmente, corresponde ao Uruguai. Essa guerra foi a primeira na história do Brasil enquanto nação independente e foi travada entre 1825 e 1828. Ao final dela, o Brasil perdeu o controle da Cisplatina, que conquistou sua independência, e o reinado de D. Pedro I entrou em uma forte crise com a sociedade brasileira.

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Por que ocorreu a Guerra da Cisplatina?

A Guerra da Cisplatina foi resultado da tensão existente entre os habitantes dessa região e o Império do Brasil e da disputa entre o Brasil e as Províncias Unidas pelo controle da Cisplatina. Para entender melhor essa situação, é preciso fazer uma pequena retrospectiva da história da Cisplatina, pois a tensão nessa região remonta ao período colonial.

Em 1680, os portugueses fundaram na região que corresponde ao Uruguai a Colônia de Sacramento. A criação dessa colônia era um flagrante desacato dos portugueses à divisão imposta pelo Tratado de Tordesilhas. A povoação da região sul do Brasil e do Uruguai, nesse período, escorava-se na prosperidade da pecuária e do comércio de couro.

A presença portuguesa nessa região meridional da América do Sul resultou em uma série de atritos entre as Coroas de Portugal e da Espanha pelo controle do território. Dessa disputa, foi acertada uma série de acordos que rearranjavam a ocupação e a distribuição de terras na América. Entre esses tratados, destacam-se o Tratado de Madri (1750), de El Pardo (1761) e de Santo Ildefonso (1777).

Apesar de todos esses tratados, a questão acerca dessa região ficou nebulosa e estendeu-se ao século XIX. A partir de 1808, a Corte Portuguesa foi transferida ao Brasil em virtude da invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas. Com a presença de D. João VI, as relações exteriores do Brasil com seus vizinhos alteraram-se radicalmente.

D. João VI queria vingar-se de franceses e espanhóis por conta da invasão de seu país e, por isso, invadiu territórios ocupados por ambos aqui na América. No caso de Sacramento (terra espanhola), essa invasão aconteceu em 1816, quando tropas portuguesas (cerca de 14 mil homens) lideradas por Carlos Frederico Lecor invadiram a região e fundaram a Cisplatina|1|.

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A invasão da Cisplatina pelas tropas brasileiras desagradou profundamente à elite portenha (de Buenos Aires), uma vez que a Cisplatina fazia parte das Províncias Unidas do Rio da Prata, região que estava em processo de independência dos colonizadores espanhóis. Os objetivos dos portugueses com a invasão da Cisplatina podem ser resumidos em:

  • Garantir o controle sobre o estuário (porto) sul da América e sobre todo o comércio que era transportado dali.

  • Garantir o domínio sobre parte das colônias espanholas.

  • Expulsar um revolucionário local chamado José Artigas, famoso republicano e federalista da região.

A relação dos portugueses/brasileiros com a população local sempre foi conflituosa pela diferença de interesses (eram fortes os ideais republicanos na região). Além disso, a administração de Lecor, marcada pelo autoritarismo, também ampliou o desgaste dessa relação. Existia ainda a insatisfação da elite portenha com a invasão da Cisplatina por Portugal. Apesar de tudo isso, em 1821, a Cisplatina passou, oficialmente, a ser parte do Reino de Portugal, Brasil e Algarves.

No ano seguinte, em 1822, Dom Pedro I declarou a independência do Brasil, e a Cisplatina confirmou sua anexação ao Império do Brasil, o que geral uma grande insatisfação local. Assim, um movimento contra o governo imperial brasileiro, influenciado e financiado pelos portenhos, teve início. O líder desse movimento foi Juan Antonio Lavalleja, que, com seus aliados, chamados “33 orientais”, declararam a separação do Brasil e a vinculação da região com as Províncias Unidas.

A Guerra da Cisplatina foi, então, resultado da disputa entre o Brasil e as Províncias Unidas pelo controle da província. As tropas brasileiras lutavam tanto contra os “uruguaios” rebeldes como contra os portenhos que lutavam pela anexação da Cisplatina às Províncias Unidas.

Objetivos

Durante a Guerra da Cisplatina, os interesses de cada lado podem ser resumidos da seguinte maneira:

  • Brasil: colocar fim à rebelião e retomar o controle da Cisplatina.

  • Uruguai: entre os partidários de Lavalleja, o grande objetivo era anexar a região às Províncias Unidas. É importante mencionar que havia aqueles que defendiam a independência da Cisplatina.

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  • Províncias Unidas: derrotar o Brasil e garantir a anexação da Cisplatina.

Batalhas da Guerra da Cisplatina

Assim que foi iniciada a rebelião na Cisplatina, a postura do imperador foi de realizar intervenção para colocar fim nela. As ações tomadas por D. Pedro I, no entanto, são consideradas pelos historiadores como inapropriadas, uma vez que havia margem para que o conflito fosse evitado. Além disso, a decisão do imperador de enfiar o Brasil em uma guerra era, no mínimo, inconsequente, pois a economia do país estava em uma situação muito ruim.

O imperador tomou duas posturas que aumentaram a animosidade. Primeiro, anunciou recompensas por Lavalleja e Frutuoso Rivera (aliado de Lavalleja) nos valores de três e quatro contos de réis, respectivamente. Isso foi visto como um grande insulto pelos “orientais”, porque o valor era semelhante ao de um escravo na época|2|.

Depois o imperador decretou a proibição da navegação de navios na bacia platina, o que afetava diretamente as Províncias Unidas. Por sua vez, o governador da Cisplatina, Carlos Frederico Lecor, ficou marcado pela incapacidade militar e pelos altos gastos que realizou à frente das tropas. Apesar de a rebelião ter sido iniciada em abril de 1825, a declaração formal de guerra aconteceu somente em 10 de dezembro de 1825. Combates entre tropas brasileiras e de republicanos (rebeldes da Cisplatina) já aconteciam.

Essa guerra, porém, não foi muito popular no Brasil, uma vez que, naquela época, ainda não havia um sentimento de nacionalidade estabelecido. No caso da Argentina, a mobilização aconteceu apenas entre os portenhos. Entre os uruguaios, houve grande mobilização seja pela independência, seja pela defesa dos interesses de portenhos ou de brasileiros.

As batalhas da Guerra da Cisplatina foram, em geral, de proporções muito pequenas. Das batalhas travadas, destacam-se:

  • Batalha do Juncal: batalha naval travada em fevereiro de 1827, na qual a Marinha brasileira foi derrotada.

  • Batalha de Ituzaingó: batalha travada também em fevereiro de 1827 com derrota, novamente, das tropas brasileiras.

  • Batalha de Monte Santiago: batalha naval travada em abril de 1827 que teve como desfecho a vitória brasileira.

Conclusão: quem venceu a Guerra da Cisplatina?

A Guerra da Cisplatina foi responsável por aumentar o descrédito de Dom Pedro I durante o Primeiro Reinado.**
A Guerra da Cisplatina foi responsável por aumentar o descrédito de Dom Pedro I durante o Primeiro Reinado.**

Após ser derrotado na Batalha de Ituzaingó, na qual o Brasil perdeu cerca de 1200 homens, o Império aceitou negociar a paz (apesar da negociação em curso, a guerra prosseguia). Dessa negociação, foi realizada a assinatura da Convenção Preliminar de Paz em 27 de agosto de 1828. Com isso, o Brasil assinou o fim das suas pretensões sobre o território da Cisplatina, aceitando a derrota militar.

Os argentinos, no caso, os portenhos, também não conquistaram seu objetivo de anexar a Cisplatina e abriram mão de suas pretensões militares sobre a região. Nesse sentido, brasileiros e portenhos entraram em um acordo, e ambos concordaram em conceder a independência da Cisplatina. A partir daí, surgiu a República Oriental do Uruguai.

Assim, nem brasileiros, nem portenhos são considerados vitoriosos no conflito, uma vez que ambos sofreram consideravelmente com a guerra e precisaram abrir mão de seus interesses, garantindo a paz e concedendo a independência para a Cisplatina.

Consequências

A Guerra da Cisplatina teve impactos duríssimos para o Brasil. Os gastos excessivos que o país teve com a guerra contribuíram para destruir sua economia. As emissões de moeda dispararam, em um claro sinal de que o Império não possuía dinheiro suficiente para financiar o conflito. Politicamente falando, a guerra foi um desastre para D. Pedro I, pois fez sua popularidade despencar.

A Guerra da Cisplatina é entendida pelos historiadores como uma das responsáveis diretas pela queda do reinado de D. Pedro I no Brasil. A renúncia do trono pelo imperador aconteceu poucos anos depois, em 1831.

|1| CASTRO, Chico. A noite das garrafadas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2013, p. 122.
|2| Idem, p. 124-125.

*Créditos da imagem: Commons

**Créditos da imagem: Georgios Kollidas e Shutterstock

Por: Daniel Neves Silva

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