Tragédia de Bhopal

A tragédia de Bhopal ocorreu em 3 de dezembro de 1984 quando gases tóxicos vazaram de uma fábrica e atingiram a população de Bhopal, na Índia.

Memorial do desastre de Bhopal - estátua de uma mãe correndo de gás venenoso*
Memorial do desastre de Bhopal - estátua de uma mãe correndo de gás venenoso*

Bhopal é uma cidade situada no centro da Índia com mais de 1.400.000 habitantes. Ela foi o cenário do maior acidente industrial e químico do mundo, que ocorreu na madrugada de 02 para 03 de dezembro de 1984. 

Nessa cidade instalou-se uma indústria que produzia pesticidas, visto que era necessário atender à demanda cada vez mais crescente de alimentos pela população. Essa fábrica era, na época, da empresa norte-americana Union Carbide Corporation, que, em 2001, foi adquirida pela multinacional Dow Química, que se tornou a maior indústria química do mundo.

Parte da fábrica da Union Carbide que causou o maior desastre industrial em 1984, em Bhopal – Índia*
Parte da fábrica da Union Carbide que causou o maior desastre industrial em 1984, em Bhopal – Índia*

O que realmente aconteceu ainda gera controvérsias, e as pessoas afetadas ainda aguardam que seus pedidos de indenização sejam atendidos. A Union Carbide afirmou que, na verdade, ocorreu uma sabotagem, mas a teoria mais aceita é a que será contada neste texto.

O inseticida produzido na fábrica era o Sevin (1-naftol-N-metilcarbamato), que possui a seguinte fórmula química:

Fórmula do inseticida Sevin (1-naftol-N-metilcarbamato)
Fórmula do inseticida Sevin (1-naftol-N-metilcarbamato)

O Sevin age atacando o sistema nervoso dos insetos. Existem outros meios de produzir esse inseticida, mas a empresa em Bhopal decidiu reagir o isocianato de metila (H3C ─ NH ─ C ═ O) com o 1-naftol da seguinte forma:

Reação de síntese do Sevin
Reação de síntese do Sevin

O isocianato de metila ficava depositado em três grandes tanques com capacidade de armazenar 42 toneladas do produto cada um. Esses tanques ficavam em um abrigo subterrâneo feito de concreto para não serem afetados pelo calor da Índia. O problema é que o isocianato de metila é um composto extremamente perigoso. Por ser altamente reativo, ele reage violentamente até mesmo com a água, gerando gases letais.

Um funcionário da fábrica iniciou a sua rotina normal de manutenção, conectando uma mangueira de água em um dos canos que passava por dentro da fábrica. A sujeira que veio com essa água entupiu o cano, o que fez a água voltar, atravessar os canos que cortavam a fábrica e entrar em um dos tanques que armazenavam cerca de 35 toneladas de isocianato de metila.

A reação entre a água e o isocianato de metila é exotérmica, ou seja, libera calor. Esse calor, por sua vez, aquece a mistura e acelera ainda mais a reação, o que consequentemente gera mais aquecimento e a reação passa a ocorrer de forma incontrolável. Essa reação química imprevista resultou em gases letais que vazaram da fábrica e foram levados pelo vento para a adormecida cidade de Bhopal. Calcula-se que três mil pessoas morreram por asfixia ainda em suas camas dormindo.

Outras milhares de pessoas saíram pelas ruas vomitando sangue, com dificuldade de respirar e com os olhos queimando. Isso porque o isocianato de metila é muito irritante, é solúvel em água e ferve a uma temperatura muito próxima à do corpo. Assim, quando a pessoa inala baixas concentrações de isocianato de metila, ele afeta primeiro as partes úmidas, como boca, garganta, vias respiratórias e olhos. Em altas concentrações, ele atinge as partes mais profundas do pulmão, destruindo-as. Dessa forma, o sangue inunda esse órgão, e a pessoa acaba afogando-se em seu próprio sangue.

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A nuvem de gases tóxicos demorou dias para dissipar-se, por isso muitas pessoas morreram nos dias seguintes. Além dos muitos casos de natimortos e abortos, esse desastre resultou em cinco mil pessoas mortas, cinquenta mil com graves sequelas, inclusive crianças que nasceram de pessoas atingidas pelos gases, e duzentas mil atingidas em menor grau.

Pernas tortas de menino de nove anos em razão de paralisia cerebral espástica e espinha bífida, consequências do desastre em Bhopal*
Pernas tortas de menino de nove anos em razão de paralisia cerebral espástica e espinha bífida, consequências do desastre em Bhopal*

Até hoje muitas pessoas continuam sofrendo com os efeitos do desastre.

Uma senhora sobrevivente do acidente em Bhopal à espera de medicamentos gratuitos em uma clínica dedicada às vítimas do desastre*
Uma senhora sobrevivente do acidente em Bhopal à espera de medicamentos gratuitos em uma clínica dedicada às vítimas do desastre*

Tudo isso poderia ter sido evitado se medidas de segurança não tivessem sido ignoradas. Veja algumas:

* A sirene de segurança, que deveria alertar a comunidade em casos de acidente, estava desligada;

* Os instrumentos de medição de pressão estavam com leituras falhas por causa da falta de manutenção;

* O purificador usado para neutralizar os gases antes de lançá-los para a atmosfera estava desligado para manutenção;

* A unidade de refrigeração que poderia controlar a reação dentro dos tanques que continham o isocianato de metila estava desligada desde maio daquele ano;

* Um procedimento para isolar as seções de canos antes de eles serem limpos não foi realizado. Esse procedimento consistia em colocar um disco de metal (anteparo) na junção dos canos para evitar que a água passasse e entrasse em contato com o isocianato de metila.

Além disso, foi um erro terrível a fábrica estar parada para reformas e ainda assim continuar com um estoque tão grande de uma matéria-prima tão reativa.

Vítimas segurando uma imagem de uma criança morta na tragédia de Bhopal*
Vítimas segurando uma imagem de uma criança morta na tragédia de Bhopal*

Esse triste fato evidencia como é importante que o avanço tecnológico ocorra somente com base nos princípios da cidadania, ética e respeito às pessoas e ao meio ambiente. As indústrias precisam estar extremamente atentas aos cuidados com a segurança, não deixando que os aparelhos apresentem falhas no funcionamento, que fiquem desligados ou que sejam ineficientes. É também preciso que a legislação ambiental e de segurança química seja bem rigorosa e que o governo garanta o seu cumprimento.

* Créditos das imagens: arindambanerjee /shutterstock.com

Por: Jennifer Rocha Vargas Fogaça

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